segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

m
eu
pote de cerâmica predileto levou um tombo.
.
aos meus olhos em pânico mostrou-se um rasgo, uma fenda. depois outra
e outra,
outra,
até que,
enfim,
superfície desertou.
Pude ver o que antes era imaginado: a cor do barro seco.
Agora se esfacela aos meus dedos no acariciar de seu bojo.
Quero reparar:
botar cola
passar guspe
forçar minha fôrma antiga.

Revolto pote
se mostra desconjuntado, retalhado, do avesso.
euvaso, em expansão do vazio,
busco artesão cuidadoso, mão leve, silêncio e calma.
Façamos beleza dos cacos.

sábado, 5 de dezembro de 2009

lógica para

Porque todo desejo é forte demais para realizar-se porque o que me olha é caolho. Porque a solidão hoje é minha familiar escolha. Sento-me e ouço a voz dos anjos, porque música arrebata.
Porque vi uma ruga na testa, sinto envelhecer o caule em terra infértil, porque rugas do tempo não devem ser preenchidas. Porque comunicar parece tarefa impossível, só verso e nunca prosa, sozinha me verso, porque estamos fora de moda, porque me interesso em porques, finjo calma à toda troca, porque espero que não cheguem ao final deste, minto, minto muito, para enebriar a quem possa entrar, porque sou quase translúcida e meu coração salta, por você que quase não sabe o que sente, por mim que não sei como ainda, vou me retirando ao futuro, grande já presente, em gerundio contínuo e redundante, indo, que me cabe bem, obrigada.

domingo, 29 de novembro de 2009

janela

Olhos semi-cerrados
formam-se aos poucos
contornos
sob luz tímida de outro canto.

Aqueles dois sapatos posicionados ao meu lado são testemunhas do meu caminhar até aqui, com pernas próprias.

Olhos entre-abertos
refaço as imagens da cidade amanhecendo.
Pelos meus olhos passam tantos e molham os meus
nos seus
vejo e não vejo
apagam-se contornos
nos cachos do cabelo bagunçado
gotejam comigo
a serenidade da cidade,
o que em mim,
de mim
serena.

Arregalem-me, olhos
para que luz de outro canto adentre.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Na magreza
pouca pele entre nós
é possível sentir meu pulso.

O seu
pausa,
o meu
vôo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

pretere

Deixam de te olhar e você finge uns dois balançar de ombros largados num respiro final.
Finalizado.
Você estampa um sorriso amarelo, produz gargalhadas regadas à alcool, acelera o passo duro, o corpo duro, os olhos duros.
Prefere não comentar.
Quer colocar o coração num pote grande, com cubos de gelo, para sentir o frescor.
-Prefere não comentar?
-Prefiro.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

palavra e meia

Queria escrever
em letras garrafais,
com jatos gordos de tinta preta,
num muro ainda branco,
uma palavra bem grande.

Para tirar do corpo
e me atirar no muro
em cima de palavrão,
vazar preto do ódio
embate mudo duro na carne.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Mania a minha
querer ver
belezinha,
bem-aventurados,
bem-intensionados.


Até os bem-casados
tem acúcar cristalizado.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ao calor do sol e da lua estouraríamos
numa explosão única e audível
possíveis seriam
escamas
ou asas.
Então, por que pernas?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

prólogo para pó

Tive nessa noite algo de crise verborrágica, de excesso mesmo, redundante mesmo. Tentei dar forma em forma de escrita de garranchos no meu caderninho delicadamente guardado sobre o criado-mudo ao lado da cama. Na mudez do criado, paciente na escuta, alguns partos de partida prá quem onde sabe chego. Prá onde, quem sabe, chego. Prá quem chego onde sabe-nos. Prá quem chega e me parte.

Palavra palavra palavra palavrapalavrapalavra,
solto aos poucos, sem certeza de interlocutores. Vocês, se existem, não me deixam saber. Silensiosos ao som dos meus dedos em dígitos me abandonam no generoso espaço vazio, potente pelo o que ainda não sabemos. Prossigo. Mais um pouco, mesmo sentindo o tempo da morte se aproximar lentamente: a textura da minha leitura, meu leite que derrama, acho que tem prazo final.
Então sirvo, ainda quente, em bandeja fria e lustrosa:
deleitem-me.


(Permitida a primeira garfada, delicadeza no corte, por favor. Sigam em goles longos.)

sábado, 31 de outubro de 2009

clear

olho paro o dia de dentro
que é noite quente
e ando ardendo sem pudores para palavras
pois você, tela branca, aceita tudo.
e eu, tingida de cores, retiro-me em reticência
...

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

bicho, grilo e havainas

outra gravidade
pouca gravidade
eu grávida de idéias
em estado contemplativo
o pensamento no correr das águas
temperatura ideal
som de bicho
som de mato
som do corpo

todos desejos de renovação

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

sobre o que vejo

nós. logo antes de espatifar


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

confissão número 3

Descobriram que o sono não conteve o impulso motor. Caminhei e deitei na cama ao lado. Que sou sonâmbula. Então, a partir de hoje, escondo: eu e a chave da porta que dá para rua. Causa arrepios de repente descobrir-me em lugar qualquer, sem estar eu em mim do jeito habitual, desnudando-me por onde por quem prá que, em sonho...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

ao pé do ouvido

Se boca com palavras
se palavra com boca
se dentadas
se grunhidos
se sussurro
na língua restam outras
na boca
outros

Se dizer faz gritar em silêncio,
calo-me.

E então,
ouve?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

ponto, parêntese e reticência

...peço: alguns quilômetros de trilhos para o coração que descarrilha.
espaço e tempo
espaço
e tempo.

abre parêntese

e também:
pernas novas e fôlego ao corredor cansado
sol para a mulher que madruga

pele
pele
pele
pele
um suspiro

fecha parêntese

sábado, 3 de outubro de 2009

não sei como e quando me lê
não sei ao certo o motivo da exposição

de não saber
sei que já estamos todos bem cansados
na verdade, não sei.
e ninguém sabe
e ponto final

nada que identifique, todos porosos
todos semi nus
eu encontro, não acho mais
quero saber:
dá para acreditar?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

do caderninho antigo 1

Só leve como
sopro, só vento.
Sinto só
sonho




(...de setembro de 2005)

Pó,
leve como sopro.
Sol venta

terça-feira, 29 de setembro de 2009

das agulhas

Entre uma agulha e outra:
-Como você sente a vida?
-Como assim?
-Assim: como você sente a vida?
-Ai!


...e um monte de sons (que me dizem somente do soar da lingua na boca) e duas risadas, signo claro, sem mais explicações...
Como pode minha dor promover o seu riso?

É assim que sinto a vida.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

ando imaginando bastante
de imagem em imagem
um passo depois do outro
para passar rápido

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

poeirinha

Tio gordo moreno na cadeira de balanço à luz empoeirada da cidade velha, rua da praça, tom sério, me perguntou:
-Cê tem bruchove?

Quase vinte e cinco anos, morena eu também, te imagino ainda gordo, vozeirão.
Digo um pouco, que deste ano, posso afirmar:
-Setembro chooooove!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

movimento involuntário

ontem, o dia todo, um músculo da face a fez lembrar da contração que provoca o choro
era stress muscular
da cara feia
de cara feia

podem relaxar
pequenos grandes músculos

terça-feira, 15 de setembro de 2009

brega 1

dois dias faz frio
um dia faz calor
dois dias faz frio
o vidro embassou
na fresta tinha um olho
dois olhos me olharam
dois olhos de verão

primavera que não chega
-prima vera, chegue logo!
eu preciso urgentemente
dois botões
talvez três
outros tantos que nem sei
doem tanto apertados
chegue rápido
venha logo
desabrocho necessário

sábado, 12 de setembro de 2009

pequena reflexão

equilibrista vive
equilibrista um passo após o outro
um pé outro pé
na mão guarda-chuva

desequilibrista vive
sinal da vida é dor
desde o primeiro rompimento
dor é pedido de amor

domingo, 30 de agosto de 2009

o silencio é necesário 2

recolhimento necessário
ao sol
redondando

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

ultimamente não tem tido tempo último que não seja primeiro que não seja emergencialmente hoje
ultimamente não dá tempo nem de sentir
e mesmo assim sinto muito

terça-feira, 11 de agosto de 2009

esquizofrenia- 3 diálogos

O que escolheram desde então até aqui coube bem.
Caetano e Gil, Chico e Gal, Nara, Tom, Vinícius... todos esses vieram juntos e eu bebi bem, obrigada.
Comi bem, obrigada.
Enchi a cara, barriga e alma de coisas picadinhas, temperadas, amaciadas. Goela a dentro. Tá tudo ainda coladinho no estômago e transpiram dessa pele aqui.
(saem também nos cantarolares inconscientes, perfumam e colorem os sonhos)
Elas me revelam. Revelam nas próprias palavras.



...e degusto. De gosto; que o sabor também mudou, obrigada.
Os outros estão velhos, eu não estou.
- Desculpe, Eu não está!



Não dá tempo
dá tempo
não dá, tempo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

40

desajuste no peito
nos pequenos gestos
nos olhares trêmulos

desajuste do sono
do cheiro
da cama

um sem fim nem começo
efêmero respiro
suspiro quente
calor na nuca
frio da barriga

um presente
da grande ausência
do olhar que me despe

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Redonda compõe o céu

No chão,
redondos olhos

eu compondo com ela
me recomponho
me recoloco
e convoco sua luz

redonda ela
me olha assim
eu aqui de olhos miúdos, de olhos molhados,
de longe vejo:
redondo tudo,
O mundo, horas!


-Lua,
volto a encher!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

cinza

a chuva derrete
minh'alma
e não para de
c
h
over

segunda-feira, 20 de julho de 2009

libriana:
balança
dois pratos
duas moedas
duas medidas
dois pesos
um leve
outro pesado

copo meio cheio, meio vazio,
nem cá, nem lá.
prá onde?

segunda-feira, 13 de julho de 2009

dos pés à cabeça

Dos pés à cabeça (Gilberto Gil, 1974)

"Eu estou onde está meu corpo
Meu corpo, onde estão os meus pés
Meus pés, onde está o chão
Ou então
Onde a cabeça
Com seu pensar em vão
Eu estou onde tudo esteja
Ou seja
Onde quer que esteja em mim
O céu, o chão, o não, o sim
A vontade de Deus
O meu corpo todo, eu acho
Vale quanto pesa e sente
Como pensa e é imenso
Como deve ser o vôo
Da terra pra lua
E a noite da lua
E a imensa viagem do dia do sol
E a continuação da imensidão
Pelo corredor da enfermaria
Daquele lugar aonde eu ia (...)"
tentativa de homenagem ao Gil que anda me acompanhando, mesmo sem saber, nos meus momentos de desestabilização.
(ele fez para a Bethânia)

sábado, 11 de julho de 2009

assopro

de que maneira agora vou dar forma a tudo que anda desajeitado?
tirei o chão de mim, flutuo sentindo os tendões arderem, passo o dia numa vertigem absurda, à noite não descanso e o coração bate com força massacrante.
e então, mais um furacão. desses que eu desejei calada, fingindo não desejar.

terça-feira, 7 de julho de 2009

desejo fútil

não sou mulher de verbo. apesar de todas as palavras escritas aqui, as que eu sei dizer bem, as que eu defino com certeza, apesar de tudo isso, não sinto verbalizar-me.
elas saem da boca, sem parar. não parecem chegam a ouvido nenhum. não penetram.
como se à ti, fosse vazado.
dentro dentro dentro.
de que maneira chegar ao outro para que sinta me. assim como sinto.
de que modo deixar de ser transparente, transponente. de que modo existir
quantos modos de existir e nunca parecer em casa.
busco busco busco. e sinto fútil a necessidade que me vejas. mas sinto e não minto.
nessas palavras, nessa dança toda, nesse viver e caminhar.

sábado, 4 de julho de 2009

de canto de olho

Depois de algum tempo olhando dentro esgotei. Não que não haja mais para onde ver, é só que o olhar anda viciado. As palavras, texto e o mover.
Depois de um cochilo longo no meio da tarde olhei para o céu e ele me disse: minha cor não se define.
De tantas certezas sobre as cores do alto, deixo de olhá-lo.

terça-feira, 30 de junho de 2009

hoje

meu desejo de estar aqui e agora
minha solidão compartilhada
as lágrimas dos seus olhos verdes,
leve são as coisas que nos deixam
meu corpo denso
a pele rachando
aridez
a comunicação entre umbigos
o sorriso contido, a vontade de rir,
o encontro, o ventre se chocando com o chão
a morte anunciada
a baleia encalhada
as víceras,
coração na boca
outros em mim,
eu do avesso.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

o sonho que rói

(significados que uma vida pode ter, tentativa de buscar sentido:
sinto que tudo já foi dito. e agora só ruídos restam)

DO SONHO:

ruídos idos
quantos ruídos,
quantos vivos,
ruídos novos, ó quantos ruídos
ruins. raros ruídos, de rochas, de falta de tom.
roa-me, roer-se, rua
ruindade nua
a sua,
eu fui bem crua.
As minhas unhas que não se roa nenhuma
porque roer é só por dentro.
romper é só por dentro.
e é todo ilusão.


terça-feira, 23 de junho de 2009

respeito ao olhar para dentro

'não quero ferir ao outro nem por isso quero me ferir'
eu li na lousa do colégio.

vontade sem tamanho de ser (sem tamanho), do meu próprio tamanho.
de olhar a pele, o músculo, o osso. a história toda, as vontades todas, o que é meu de mim (tanto seu também)
Ontem, num ritual de busca, fiz comida, tomei coragem e sai na rua sem lançar mão de recursos automotivos; a pé, contando apenas com o que se deve contar. Depois da torta de limão e alguns poemas do Drummond um filme fútil. Pouco importa. O ritual começou no momento em que eu escolhi peça por peça de roupa, um tênis confortável, livro e água na bolsa. (e subi a Consolação olhando para cantos antes nunca vistos)
Pouco importa o que. eu estava apenas sendo: do doce da torta, às palavras dos poemas, ao picote do ingresso, à futilidade da minha geração.
agora eu quero ser.
despretensiosamente
e quero poder me ser, sem ferir a ninguém.

sábado, 20 de junho de 2009

ao morrer 2

morro um pouquinho
um pouco
de muito
um tanto

quinta-feira, 18 de junho de 2009

ao morrer

ao acordar com a britadeira da construção ao lado percebi que aqui era também toda britadeira
de modo que, no primeiro bocejo, comuniquei-me ao mundo.
as pedras de dentro se esfacelam e eu tento catar os cacos, olhar os vacuos e me reintegrar.
depois de um dia de coração na boca, parece que morro um pouquinho.
quantas mortes numa vida.

na sombra daquele lugar antigo que diz muito do que não foi possível dizer. no sol macio de outono que me faz desejar flores de ipês. (amarelo)
nostalgia, nostalgia, de toda a mesmisse, ela mesma.
translucido vidro (do que foi) , ele mesmo, existindo (e embassando a minha visão)
eu mesma sendo.
quantas mortes numa vida.

terça-feira, 16 de junho de 2009

diálogo de barriga

querendo ser precisa deixo margem para tudo e ao mundo. Num mar sem delimitações sinto-me preencher.
por falar em primeira pessoa, por dizer de mim o que é (ou deveria ser) universal.
não consigo falar por outro.
mas há aquela outra: do diálogo de umbigos, comunicação de barriga, não pode dizer-se muito.
a linguagem supera-se?
a linguagem é pouco.
na ingenuidade disso tudo, sinto ser-me.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

vaso

me disseram:

a arte de fazer o vaso é cavar o vazio.

aí não me desespero
esvaziar também é necessário.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

idéia fixa

idéia fixa
mente poluída
notícia bem vinda
o mundo lento
o mundo acelera
quero revolucionar
revolver
ao avesso

terça-feira, 2 de junho de 2009

ressaca

ressaca:
na pele, no osso, no músculo

no músculo

dói muito
mal ando, malandro
maldade

massage
no messages
i miss you

segunda-feira, 1 de junho de 2009

de dentro

o pulso de dentro toma-me

meu pulso é outro
meu ritmo é outro

o dentro é meu
e vejo-o com tantos outros
e sou eu tanta gente
que nem cabe dentro

sem cabimento
sem ressentimento
sem pele prá proteger o que vem de dentro

quero vazar, quero escorrer, trans,
além mar


parece música:
para os olhos
para os ouvidos
para os sentidos
ao gosto dos outros

quarta-feira, 27 de maio de 2009

paralisia

Calma, gente!
Eu tô pensando.

Parem de buzinar atrás do carro! Eu tô pensando!
Parem os semáfaros: quero atravessar com calma; eu tô pensando!
Parem os relógios!
parem de se conhecer! parem de viajar, parem de descobrir!
parem de se beijar!
parem de dançar!

Pare o mundo!

que eu quero pensar
(e não quero perder mais nada)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

meu tipo

Eu sou do tipo que adora abrir a porta de casa e ver as correspondências esperando. De pensar que alguém gentilmente separou-as para mim e as colocou alí, debaixo da porta. Não importa muito que sejam sempre contas e faturas, elas vêm mesmo mensalmente. Acho delícioso pular os envelopes, tirar as laterais picotadas, comparar o consumo deste mês com o do mês passado.
Sou do tipo que adora preencher os dados da primeira página da agenda (a minha e a dos outros que ficam em branco)
Que adora dar nome às coisas: aos cd´s gravados, aos porta cd´s, sem esquecer das decorações no barrado.
Do tipo que confere e-mails todos os minutos possíveis e fica feliz ao ver que chegou uma mensagem nova, mesmo que na mairia das vezes seja SPAM.

eu sou desse tipo aí.
dessas que acreditam que as pequenas doses de alegrias fulgazes deixam o valor real das coisas menos importante.
dessas que acham lindo o lado subjetivo do mundo,
eu sou desse tipo

terça-feira, 19 de maio de 2009

da ausência

o silêncio é necessário

terça-feira, 5 de maio de 2009

confissão número 2

minha avó secou:
foi gotejando, gotejando, gotejando, até que
só restaram alguns pingos de essência
e aqueles olhos azuis

eu, ao vê-la, sinto pingar nos meus castanhos
de ver aquela aridez toda, a pele rachando, fininha, dos cabelos sem forma e sem charme.
Restam apenas alguns singelos e tímidos pingos de essência
aparecem na efemeridade dos segundos, num piscar de olhos, num sorriso contido, num carinho delicado, nas palavras que saem de sua boca sem querer, na antiga espontaniedade que lhe era peculiar

minha avó secou.
fez secar em mim as lágrimas da infância,
o esguicho do jardim, as flores da primavera
que ela catava e secava
e modificava as formas e inventava outras tantas que não existem.

das flores secas,
da sua flor tão seca
do coração vazio

o silêncio tomou lugar

a maresia da Paulicéia

São Paulo tem maresia
dessas que eu desconhecia,
e até parece piegas

quarta-feira, 29 de abril de 2009

a dança do maestro

Saindo do compromisso, em estado fraternal como de costume, vendo o transito parado da Vila Madalena dos nossos tênis nas calçadas, recebemos o recado-convite de que para nós, da classe dos ainda estudantes, haveria convites a 10 reais para assistir a Orquestra do Champs-Elyses, com bailarinos, projeções de vídeo e um ator argentino que fala francês. Tudo isso na Sala São Paulo, dalí uma hora.
Nessas coisas que só São Paulo proporciona, me percebi na estação da Luz um pouco amedrontada. Logo em seguida, estava eu sentada em um banquinho de madeira em forma de "5" sem a perna de cima, olhando para os ladrilhos esverdeados do chão, com um capuccino na mão e o programa do concerto no colo.
Mulheres perfumadas com casacos de pele não intimidaram nossos jeans e tênis gastos do dia.
Aos primeiros acordes dos violinos, nas primeiras danças do maestro, instaurou-se o ar celestial que me elevou ao sensível e fez lacrimejar os olhos. Pensei que de fato a qualidade do Mp3 deve ser pior do que a do Cd, que deve ser pior que o vinil... mas para os meus ouvidos, essas perdas são quase imperceptíveis (talvez por não ouvir esse tipo de música assim, o tempo todo). O fato é que há tempos não ouvia a qualidade do "ao vivo", e essa, nenhuma gravação supera.
Como nem tudo são flores, a dança das bailarinas era terrível. Rude, crua e estereotipada. Ficamos boqueaberdas e a Julia frustrada ao constatar que até na Europa é possível haver baixo nível. O argentino falava muito bem francês. Se esforçou tanto para esconder o sotaque que recitou o texto sem as nuançes que a peça musical sugeria. Sem nuance alguma.
Os vídeos eram bonitos mas não importa muito. Pois aquele tenor cantou. com o encantamento de outros mundos. E pude sentir-me a flutuar pela sala, linda sala.
(Não merece aqui espaço para discorrer sobre os caminhos errados para voltar para casa, nem sobre o choque de realidades entre "o dentro e fora" da Sala São Paulo. )
meu espirito se elevou e carrego essa sensação para os dias que seguem.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

horóscopo do dia

Segundo o meu horóscopo do dia,em tempos de crise o que há de me salvar é a criatividade. E ele ainda afirmou que "hoje" eram tempos de crise.
Venho mesmo sentindo o cheiro e seus ares, mas, agora que me aproximei do universo Zen, associei meu recolhimento ao outono.
não sei muito sobre a criatividade em tempos de crise. Dizem da arte o poder de sublimar. Não gosto de atribuí-la a tal função utilitária, muito menos terapeutica.

Foi dito que inauguramos uma nova etapa e talvez por isso, tenho tido vontade de inaugurar novos canais. Acho que é possível haver de encontrar outras ilhas, outras paisagens, rios mais turbulentos ou quem sabe até cristalíneos (se bem que não tenho tido olhos para trans-lucidez)

que venha.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

delicias

delícia é poder ir conhecendo aos poucos
de pouco em pouco, cada descoberta, cada revelação, cada história.
delicioso é saber-se ter tempo.
aos poucos conhecer aos poucos. para prazer de cada pequena dose de surpresa.
encantar-se com as novas palhetas de cores que se pintam por outras bandas.
saber quando derramam-se outras lágrimas, quando alagam-se os rios de lá, quando há terremotos.
contar das calmarias daqui, dos dias de vento forte, das cores (e dores) de dentro.
delícia é poder experimentar novos jeitos de ser, de ser com o outro, de poder reinventar-se nas novidades.
bebericar do outro para degustar de si

bom é saber da nossa infinitude dE ser
e poder saborear-se.



aos novos amigos

sábado, 4 de abril de 2009

coração de pirulito

Por medo, muitas vezes me protejo,
as vezes, de viver algo que podia mesmo dar muito errado. Opto por não viver.
Muitas vezes...
acabo ficando sem saber no que daria - se desse alguma coisa.
É nessas horas que eu me sinto covarde diante do mundo.
mas só as vezes.

Nas outras, eu vivi.

Mas dessa vez, tive medo. Me recolhi, entrei na cena como se não estivesse, fazendo pouco caso de mim e dos outros que nos assistiam. Consegui até fingir um relaxamento desleixado, mas por dentro eu sabia que o coração estava na boca, vermelho, pulsante.
Optei por não mostrá-lo e não sei, de fato não sei, o que seria, se fosse alguma coisa.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

sei lá

Sei lá, sei lá,
só sei que é preciso paixão,
sei lá, sei lá,
a vida tem sempre razão.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 30 de março de 2009

o sétimo

Passo o dia fingindo não perceber. Me concentro nas atividades matinais, nas caminhadas pelo bairro e até consigo valorizar a possibilidade de poder sentar num banco de praça e observar crianças, cachorros e velhos.
Mas a verdade é que, por mais que eu tente, há sempre algo que me faz lembrar: hoje é domingo.
Quando percebo, já fui tomada por uma melancolia estranha e familiar. Realizo as atividades sociais com certa dificuldade, meu rosto transmite um pesar descansado. É o recolhimento habitual e é necessário respeitá-lo.
Há um misto de nostalgia, ansiedade e dor. Percebo aos domingos que o tempo anda passando, que as escolhas precisam ser feitas e que o mundo caminha, não se preocupando se eu já estou pronta (não estou, como de costume).
Hoje é dia de admitir que vai ser assim mesmo. O cabelo meio despenteado, a palidez de uma tarde em casa e os apertos costumeiros de uma vida que segue sem que eu me dê conta.
Chico Buarque lançou livro novo, minha listinha aumenta e aquele filme saiu de cartaz.
O que eu vejo fica comigo e hoje eu preciso mais de mim do que antes.
só, aos domingos...

(também é dia de insônia).

quarta-feira, 25 de março de 2009

confissão número 1

Eu confesso:
tenho desejos de provar do outro
ter a sensação do corpo do outro
enchergar o mundo com outros olhos.

Mas não consigo.
às vezes sinto que fui. Quase;
e logo me percebo sendo eu novamente

então eu invejo o outro,
julgo,
compito,
e volto a habitar a parte que eu menos gosto de mim,
a menos idealizada
a mais humana e mais concreta
volto a ver o mundo nas mesmas proporções,
com as mesmas cores,
os mesmos cheiros

sigo tentando,
e desejando
frustradamente

segunda-feira, 23 de março de 2009

pequenos prazeres

dobrar e guardar as roupas amontoadas
jogar papéizinhos fora
incenso
bossa nova
banho demorado
cortar as unhas dos pés
Nara Leão, Cássia Eller, Elis e Clarisse
almoço na casa da tia
sorvete de chocolate
Rock
Os Mutantes
céu de brigadeiro
e finalmente te dei uma gaveta do meu armário
(e um poeminha)

aos pequenos prazeres de uma segunda-feira

quinta-feira, 19 de março de 2009

velhinhos

No cruzamento de uma rua movimentada, uma velhinha na esquina se amparou num poste. Seu olhar era desses de atravessar o que vê, como se não reconhecesse o lugar ond se encontrava. Até que num ímpeto decidiu atravessar. Estava na faixa de pedestres, mas provavelmente não sabe que hoje em dia, em tempos de selva de concreto, essas coisas não dizem muito.
Naquela ladeira seu caminhar era tão inseguro que foi ficando difícil acreditar que conseguiria chegar até a outra ponta. Seu tronco às vezes parecia ceder à gravidade.
Foi dando seu passinhos curtinhos, e me causando uma ansiedade enorme. Levava à mão um bloquinho de notas que eu logo imaginei ser o endereço da sua missão. Pensei que seria mais vantajoso guardar o bloquinho na bolsa e arranjar logo uma bengala.
Quase chegando na outra ponta, avistou um novo poste, e isso a incentivou a fortalecer suas pernas, se esticou com a pouca elasticidade dos seus tendões( que também estavam envelhecidos), alcançou o poste e se puxou para a calçada. Ficou alí, amparada novamente pela frieza de um poste publicitário, (felicidade dos cachorros) , um tanto ofegante, olhando através daquele grande caos que a cercava. Achei que estava perdida, mas o semáforo me acenou a luz verde e eu continuei minha travessia sem saber de onde vinha e para onde ia a velha senhora.
Talvez, se fosse uma criança, logo a pegariam no colo e de quebra, ganhasse uma bala. Mas a velhinha é quase invisível, tão frágil que era, tendo dentro de si apenas um soprinho de vida.

quanta crueldade... as ladeiras , os cruzamentos perigosos, os velhinhos ofegantes carregando soprinhos de vida num mundo construídos para jovens, a minha paralisia e a falta de braços para ajudá-los.

quarta-feira, 18 de março de 2009

a chuva

A chuva diz muito sobre a cidade.
Ontem vi o mundo cair do nono andar de um prédio (o Sesc) da Avenida Paulista.
De repente abrem-se milhares de guarda-chuvas. Os pretos se confundem com o asfalto, com a sujeira, com a cidade. Pensei que as pessoas deveriam comprar mais deles coloridos. O efeito é fantástico visto de cima.
Elas apressam o passo, algumas correm... outras, sem proteção, desistem e caminham tranquilamente, se encharcando por aí.
De repente anoitece, o trânsito começa a parar. As luzes dos carros se acendem. De uma lado são todas vermelhas, do outro, todas brancas. É lindo. São dois rios pós-modernos.
A diferença dos rios de antes é que na chuva, fluem com mais dificuldade, ou quase não fluem. Os peixes pequenos de capa preta vão a todo vapor, de um lado para o outro, se arriscando na aventura da sobrevivência.
Até que desci. Os pingos eram gelados e eu não estava provida de guarda-chuva de nenhum tipo, de cor alguma. Logo percebi que a visão debaixo é bem menos organizada, mais caótica e barulhenta do que a de antes. As pessoas não mais parecem andar calmamente e os guarda-chuvas podem se transformam em objetos agressivos.
Caminhei com a tranquilidade de quem conhece o panorama geral, com a visão de cima, me encharcando por aí.

terça-feira, 17 de março de 2009

sobre eternidade

A Cássia não devia ter ido...
a sua voz ecoa em mim fortemente. E eu fico escutando os mesmos discos, os mesmos discos, os mesmos...
e não me canso, e imagino como seria o seu próximo...

sim, as pessoas são eternas
e não faço parte de nenhum fan-clube

sexta-feira, 13 de março de 2009

das feridas

É preciso des-sensibilizar-se
para não viver em carne viva o tempo todo.
a fina camada protetora torna-se necessária.
mas eu quero na medida. Fina o bastante para rasgar vez ou outra.
Porque sangrar é importante, curar é transformador e as cicatrizes são nossas histórias.

para os corações apertados

quinta-feira, 12 de março de 2009

exageros

É comum me sentir agredida. A reação vem, normalmente, da maneira mais cliché: eu choro. Quando gritaram "Burra!!!" no trânsito, quando um homem cinquentão olhou para além do seu limite, quando me corrigem insistentemente nas aulas de dança... só piora quando as correções são de ordem subjetiva.
Mas ultimamente o reflexo tem sido outro: eu me revolto.
Não que tenha parado de chorar, mas, logo após a última lágrima é possível sentir o calor vermelho que nasce de dentro da minha barriga e que me transforma em bicho.
À sua virilidade exagerada eu respondo com minhas delicadas perturbações.

sexta-feira, 6 de março de 2009

das dificuldades

eu dificilmente tenho certeza das coisas.
essa é uma dificuldade.
vale a meu favor
e me deixa muitas vezes sem graça, cheia de humanidade, insuportável.
e no fundo eu acho (e não tenho certeza) que na verdade, eu não sou assim.

quarta-feira, 4 de março de 2009

no meio

Desde ontem mantenho um certo apertinho no peito. Apertinho, sabe como é... Aquela quase vontade de ... enfim
Começo do ano é sempre um tanto confuso. Sim, porque o ano começou há apenas uma semana. São tantas as opções de vida no mercado que fica difícil escolher a minha. Que caiba em mim. Normalmente sou levada pelos outros. Ouvi dizer que isso não é muito bom de se fazer.
Fica difícil medir o que de fato é importante neste momento, agora. Eu costumo me dar conta do tamanho das coisas em retrospectiva. Fica claro que as segundas-feiras do ano passado eram deliciosas. Mas já faz um ano e eu não sei o que fazer das minhas quartas-feiras. Porque na segunda eu repito a dose.
Hoje é quarta-feira,
tem apertinho,
não sei se é sinal para ir, ou se é para ficar. Se caso ou compro uma bicicleta, se ligo ou desligo, se acalmo ou acelero.
É bem no meio da semana. Montanha abaixo ou montanha a cima?

terça-feira, 3 de março de 2009

medo

A vida às vezes me dá medo, desses que quase me impedem de pegar no sono a noite e de acordar de manhã no dia seguinte. Como se ao pisar para fora do colchão os perigos da vida fossem caminhando em minha direção.
Costumo associar prazer e dor. Quando se anula a dor, o prazer é automaticamente anulado. Como quando naqueles remédios anti-depressivos que vão te anulando aos poucos, deixando você e tudo ao seu redor cinza, monocromático, sem brilho, sem dor, sem prazer.
E nesses dias de medo, já se sabe, serão grandes prazeres e grandes dores.
Dá vontade de não sair da cama, ou de tomar uma pilula mágica e ver a vida passar.
Mas a escolha é sempre pela aventura.
Os carros na rua começam a buzinar, o sol entra pela fresta da janela, meu coração dispara, sinto as primeiras dores do dia. Me preparo.
Que venha mais um. dos prazeres ainda não sei, mas costumam doer para aparecer.

segunda-feira, 2 de março de 2009

sobre monstros

Sempre quis... mas daí apareceu o título e não pude me negar a tentar.
Aqui está!
do meu equilíbrio instável surgem, surgirão, estas para compartilhar. Porque quando postadas, parecem mais reais e me dão falsa e prazerosa sensação de estabilidade. Para poder me lançar para a vida e suas cordas bambas.
A aventura atual são os monstros. Aparecem em sonhos me apavorando ao puxarem meus pés por debaixo do edredon. Outras horas sou eu, conscientemente, que os crio. Porque também sou muito monstro. e estão todos eles dentro de mim.
Ame-os, assim como às princesas. Assim amará verdadeiramente.
dentro também é meu,
dentro também sou eu
eu e meus monstros.

Prazer, esse é meu Blog!